O Povo -
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República baixou resolução proibindo a veiculação de propaganda comercial tendo como público alvo crianças. O senhor (a) concorda com a medida?
NOTÍCIA
SIM - A Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), válida desde 4 de abril, considera como abusiva toda a comunicação mercadológica voltada à criança. O texto diz que “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” é abusiva e, portanto, ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor. A aprovação do texto é uma vitória histórica da sociedade civil, que gere o conselho de forma paritária com o governo. O direcionamento de publicidade à infância reforça a noção da criança como consumidora e promotora de vendas. Segundo pesquisa do Interscience (2003), as crianças participam do processo decisório de 80% das compras da casa. A comunicação mercadológica voltada à criança tira proveito de um indivíduo em desenvolvimento físico, social e psíquico que, portanto, ainda não atingiu a plenitude de seu senso crítico para compreender o caráter persuasivo da mensagem publicitária. Entre as consequências da exposição de crianças a esses estímulos comerciais estão a obesidade infantil, a introjeção de valores materialistas e a erotização precoce. À revelia da lei, o mercado continua incorrendo nesse direcionamento às crianças. Com isso, tenta deslegitimar o Conanda e, por conseguinte, a participação da sociedade civil em instâncias deliberativas. O chavão do mercado diz que a restrição à publicidade infantil fere a liberdade de expressão. Fizeram o mesmo quando se discutia a proibição da publicidade de cigarros. A Resolução em nada fere a liberdade de expressão, pois versa sobre ações comerciais abusivas e não sobre conteúdo ideológico, político ou religioso. Não há ingerência do Estado, mas sim um freio na intromissão do mercado no padrão de consumo das crianças.
"Entre as consequências da exposição de crianças a esses estímulos comerciais estão a obesidade infantil"
Renato Godoy é jornalista, sociólogo e pesquisador do Instituto Alana
NÃO - O mundo midiatizado é palco de muitos abusos no que diz respeito ao fluxo de informações ao qual estamos submetidos. No entanto, necessitamos de prudência ao dispor de dispositivos de controle para tentar solucionar o problema e não incidirmos em outro equívoco, que seria a retomada da censura. Temos que reconhecer que a publicidade está a serviço da administração mercadológica. Isto implica na existência de um produto, de um público específico de consumo e este precisa saber da existência do produto para consumi-lo. Devemos reconhecer que existem diferentes modos de relacionamento com o produto: o usuário, o financiador, o decisor, o influenciador, que podem ou não ser a mesma pessoa. No caso da criança, é a usuária, porém não decisora, função que cabe aos responsáveis. Enquanto empresa produtora de bens, preciso falar com todos os meus públicos, quem compra, quem usa, quem influencia. No momento em que sou tolhido no direito de falar com qualquer um, surge a censura. O universo lúdico sempre fez parte da publicidade e da forma de a propaganda relacionar-se com seu público-alvo. Ao adotarmos postura punitiva no que tange ao formato de abordagem seria ignorar que este é reflexo das experiências do mercado. A criança deve ser preservada, e a comunicação dirigida a ela ser feita de forma que não vos seja prejudicial. O que se faz urgente é olhar crítico e cauteloso sobre o discurso propagandístico adotado, tendo em vista que este é o elemento fundamentalmente ideológico e que deve estar pautado por filosofia que compreenda o público-alvo dentro de limitações e extensões demográficas e psicológicas. Muito além de implantar dispositivos de controle, faz-se necessário colocar em prática os procedimentos de fiscalização, bem como reforçar o tema da ética e legislação publicitária e as discussões dentro das estruturas curriculares dos cursos de Publicidade e Propaganda e sobre respeito ao consumidor em todas as disciplinas voltadas para a gestão e técnica publicitária.
"No caso da criança, ela é a usuária, porém não decisora, função que cabe aos responsáveis"
Eugênio Furtado,professor de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Estácio FIC
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