O Estado de S.Paulo
O primeiro dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) transcorreu dentro da normalidade, segundo o Ministério da Educação (MEC). A operação de logística ocorreu conforme o planejado e os problemas foram pontuais e localizados, sem afetar a realização, hoje, do último dia de prova - a principal porta de acesso às universidades federais, com 5,7 milhões de inscritos. A prova foi considerada boa, mas docentes criticaram algumas questões.
Os casos mais graves ocorreram nas redes sociais. Às 10h08, um usuário do Twitter espalhou boatos de que o Enem havia sido cancelado. O MEC desmentiu e avisou a Polícia Federal. Segundo a pasta, a informação falsa partiu do perfil Chora Minha Nega (@gui_pangua) e alcançou o quarto lugar dos Trending Topics no final da manhã. Segundo o MEC, o internauta mora em Campinas e pode ser processado por atentar contra concurso público, crime previsto no Código Penal. Se condenado, terá de pagar multa e ficar preso por 1 a 4 anos.
Foram eliminados e retirados das salas de prova 37 candidatos que tiraram fotos dos cadernos de prova e cartões resposta e compartilharam em sites como Twitter e Instagram. Os casos foram registrados em vários Estados e os acusados tiveram seus desempenhos anulados.
Nos três exames passados, ocorreram problemas graves, como o vazamento em 2009, denunciado pelo Estado, que fez o exame ser cancelado; em 2010, falhas de encadernação e em um cabeçalho de um dos cartões-resposta, que motivaram nova prova aos prejudicados, e o vazamento do tema da redação; e, no ano passado, o acesso antecipado de alunos de Fortaleza a 14 questões, que foram anuladas.
Atrasos. Outros problemas de ontem foram alheios à organização do exame, como a queda de energia em três locais. Em Salvador, protesto de cerca de cem moradores de uma favela interrompeu, no fim da manhã, o trânsito em uma movimentada avenida, atrasando dezenas de estudantes.
Trânsito engarrafado e dificuldades de locomoção, por sinal, foram as principais justificativas dos atrasados. A carioca Amanda Silva de Freitas, de 18 anos, mora perto do local da prova, no bairro do Maracanã, zona norte do Rio, mas chegou às 13h03 e foi barrada. Desesperada, Amanda tentou subir no portão, mas desistiu. Ela contou que saiu de casa, a poucos quarteirões, às 12h45, e foi pega de surpresa pelo engarrafamento. Decidiu saltar do carro da mãe e seguir a pé, mas não chegou a tempo. "Vacilei, um ano jogado fora", lamentou.
Em Fortaleza, a candidata Marcela Moreira, de 18 anos, foi impedida de fazer a prova porque não tinha os documentos. "Fui assaltada quando estava chegando. Eles levaram meus documentos e celular", relatou. A polícia registrou pelo menos dez assaltos perto dos locais de prova na capital cearense.
Em Curitiba, dois candidatos, Márcio Renato, de 21 anos, e Joice Cristina, de 17, perderam a prova por errar o ônibus. Por ironia, eles fariam suas provas somente a partir das 19 horas, pois ambos são adventistas e têm regime especial para o exame - condição que atinge 85.662 mil candidatos em todo o País, compostos em sua maioria por judeus ortodoxos, além de adventistas.
Em outros Estados, como no Acre, realizar o Enem virou operação de guerra. O governo acreano gastou R$ 51 mil para bancar passagens de 57 alunos de dois municípios (Jordão e Santa Rosa do Purus). Por causa do fuso horário, a prova começou às 10 horas de Brasília. / LUCIANA NUNES LEAL e ROBERTA PENNAFORT (RIO), ITAAN ARRUDA (RIO BRANCO), LAURIBERTO BRAGA (FORTALEZA), LUCAS AZEVEDO (PORTO ALEGRE), TIAGO DÉCIMO (SALVADOR), MARCELO PORTELA (BELO HORIZONTE), PAULO CLARO (CAMPINAS), JULIO CESAR LIMA (FLORIANÓPOLIS), CARLOS LORDELO, TOMÁS PETERSEN, LUÍSA MELO e CRISTIANE NASCIMENTO (SP), ESPECIAL PARA O ESTADO
Professores de cursinhos fizeram reparos a cinco questões das provas de ontem. Duas de física são as mais problemáticas: Etapa e Oficina do Estudante contestam a questão 49, da prova amarela; Etapa e Objetivo criticam a 51 da mesma prova.
Para o diretor pedagógico da Oficina do Estudante, Célio Tasinafo, ao resolver a questão 49, se o candidato fizesse o cálculo pelo comprimento de onda, chegaria a um resultado; pela velocidade, a resposta seria diferente. A opinião é compartilhada pelo coordenador de física do Etapa, Alexandre Moreno. "Mas não prejudica o aluno porque os outros resultados possíveis não aparecem entre as alternativas."
Sobre o item 51, que envolvia a densidade de um legume, Moreno diz que na pesquisa da internet mencionada na questão a densidade do legume é metade da densidade da água. Mas o mesmo enunciado diz que o legume fica um terço para fora da água quando submerso. "Isso pode causar dúvida, porém o mais provável é que o aluno chegue à resposta correta." Para o Objetivo, a questão deveria ser cancelada. "Essa pergunta é totalmente furada", diz Ricardo Doca. "O aluno que privilegiou a parte final do enunciado se deu mal."
O Cursinho da Poli diz que o teste 64, da prova amarela, pode provocar interpretações errôneas. O enunciado explica o que é a formação de um carbocátion e pede que o aluno identifique estruturas químicas em produtos e no carbocátion. É consenso que a resposta correta é a A, mas, segundo o professor Adauto Pessoa, o gráfico que explica as reações tem um erro de conceito. "O gráfico não compromete a avaliação desde que o aluno não considere as questões energéticas, que estão equivocadas."
Na prova de Ciências Humanas, segundo o Cursinho da Poli, as questão 36 da prova amarela é discutível. No enunciado, textos comparam a situação agrária da Europa no século 19 com a da América Latina no século 21. Foi solicitado que se apontasse a alternativa que explicasse como as alterações tecnológicas interferem na vida das populações. A resposta considerada correta pelos professores foi a E, mas A e C também estariam corretas. "As alternativas A e C são muito genéricas, mas a E é mais completa. É como se as outras duas estivessem 'menos certas', mas não erradas", explica o professor de geografia Rui Calaresi.
Outra questão problemática é a 20, também na prova amarela, sobre história. O aluno deveria analisar um mosaico e inferir qual característica política romana estava presente. "Havia duas possibilidades de resposta correta", comenta o professor Daily Oliveira, do Objetivo.
Procurado, o MEC disse que não se manifestará sobre as reclamações dos cursinhos.
Dificuldade média. Os estudantes acharam a prova longa, com muitos textos, mas de dificuldade geral fácil e média, segundo os professores.
Matheus Ciappina, de 17 anos, saiu satisfeito. "É como uma prova tem de ser, de raciocínio puro, sem pegadinha.", diz ele, aluno do 3.º ano do Colégio Drummond, no Tatuapé. O analista de segurança e cadeirante Marcello Martins, de 43 anos, resolveu fazer o Enem em busca do terceiro diploma, de Medicina. "Mesmo com todas as minhas dores, pois sofro de polioneuropatia inflamatória", disse. / DAVI LIRA, PAULO SALDAÑA, LUÍSA MELO, TOMÁS PETERSEN, DIEGO CARDOSO e VICTOR VIEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADO
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